A Pesca da Tainha e o Surfe: uma disputa pelo mar na capital do Estado de Santa Catarina
- Carol Gómez e Chico Duarte
- 19 de jul. de 2016
- 4 min de leitura
Pescadores e surfistas entram em conflito logo que chega a época da pesca artesanal da tainha

O Carnaval passa, a Páscoa passa e o mês de maio vem chegando. Os pescadores, então, aguardam ansiosos a chegada das tainhas no litoral catarinense. Os surfistas, por sua vez, aguardam ansiosos a chegada das melhores ondas de outono.
A cada temporada, junto com as tainhas e com as ondas, volta um antigo conflito: pescadores e surfistas disputam o mar. Uns buscam lançar suas redes e capturar cardumes, outros surfar nas melhores ondas.
Para evitar problemas entre as duas partes interessadas, em 1995 foi criada uma lei municipal que proibia o surfe em quase todas as praias da grande Florianópolis durante a safra da tainha. As únicas praias permitidas eram a Joaquina e a Mole.
Mais de dez anos depois os conflitos permanecem. Em maio de 2016, o Prefeito municipal César Souza Júnior assinou uma nova lei que alterou as restrições. Além das praias acordadas em 1995, agora é possível surfar também nas praias:
Lagoinha do Leste: até 500 metros do canto esquerdo da praia;
Matadeiro: até 500 metros do canto esquerdo da praia;
Armação: até 500 metros do canto esquerdo da praia;
Moçambique: até 500 metros para a direita da praia;
Na Praia Brava, onde ocorreram os maiores conflitos desta temporada, o surf passou a ser permitido apenas quando o mar está agitado demais a ponto de não possibilitar a saída dos barcos.
Além de alterar as restrições, a nova lei redefiniu a temporada de pesca, que passa a ser de 1º de maio a 10 de julho e que será feito o uso de sistema de bandeiras. As praias não listadas acima utilizarão bandeiras verdes e vermelhas, indicando, respectivamente, a permissão ou proibição da prática de surfe durante o período de pesca da tainha. O uso de bandeiras já foi uma alternativa implementada em 2002, porém o sistema faliu após falta de compromisso de ambas as partes; as vezes era possível surfar em um dia, mas não no outro, o que frustrava alguns surfistas que queriam ir para o mar mesmo assim. Com o tempo, os pescadores começaram a sempre manter a bandeira que proibisse a prática do surfe.
Conscientização
Para amenizar o problema, o presidente da Federação Catarinense de Surf, Reiginaldo Ferreira, propõe para 2017 uma campanha de entendimento entre pescadores e surfistas. Ainda em estágio de formulação e sem ação prevista, a ideia da operação é realizar uma melhor compreensão entre as duas partes de forma que as brigas sejam atenuadas. Nós temos que agir antes da pesca da tainha, não adianta fazer algo durante. "Portanto, pra ano que vem, a gente pretende fazer uma campanha de conscientização, junto com as autoridades, pra conversar com os pescadores e surfistas", conclui Reiginaldo.
A necessidade da Pesca Artesanal da Tainha
A Pesca Artesanal da Tainha é uma importante atividade econômica e cultural no estado de Santa Catarina. Este ano os peixes chegaram e foram embora cedo, mas deixaram a safra mais produtiva dos últimos 40 anos. As redes trouxeram para a areia da praia 2,96 mil toneladas em Santa Catarina, sendo 1,19 mil (40%) só em Florianópolis.
Em 2012, a Pesca Artesanal da Tainha foi declarada patrimônio histórico, artístico e cultural do Estado de Santa Catarina e em 2015 foi aprovado por unanimidade na Câmara de Vereadores o Dia Municipal da Tainha (15 de julho).
Para a população da Ilha da Magia, a temporada da tainha significa peixe fresco e barato vendido na peixaria ou grelhado no restaurante. Para o pescador, representa o sustento de muitas famílias. Seu Orlando (63) conta que a tainha traz fartura. “Todo mundo troca peixe, quem não consegue mais trabalhar também ganha. Todo mundo come.” explica o manézinho.
Porém, para os surfistas, a temporada representa prancha fora d’água. O hispano-brasileiro, Vicente Romero, diz já ter presenciado conflitos por causa da pesca artesanal da tainha. O surfista, que é bicampeão da Espanha, conta que nunca chegou a perguntar para os pescadores a razão de não poder surfar, mas afirma “sempre em praias onde havia boas ondas não deixavam a gente surfar por causa da pesca. Acho absurdo porque as tainhas estão do nosso lado pulando na água e quando eles entram vão de barco que é 10 vezes maior que uma prancha e fazendo barulho”.
Os pescadores explicam que os surfistas afugentam os cardumes e que também existe risco de acidentes envolvendo as pranchas e as redes. Não há estudos que comprovem a fuga das tainhas, porém segundo os pescadores, o surfista espanta o peixe de duas maneiras: passando pelo trajeto dele ou por cima dele no buraco. A pescadora Leandra (Barra da Lagoa) afirma que a tainha é o peixe mais esperto que existe e que por isso fogem rapidamente ao avistarem uma ameaça.
Cada um traz consigo uma versão da história, uma versão da disputa entre pesca e surfe. Abaixo os depoimentos de alguns pescadores e surfistas sobre o conflito.
A Tainha e a Onda
Em setembro de 2015, foi lançado o documentário A Tainha e a Onda. O projeto surgiu quando o diretor e surfista Carlos Portella, em viagem pela Austrália, percebeu que lá também existia tainha e que durante a pesca, pescadores e surfistas convivam pacificamente.
O documentário aborda o confronto existente, mas também a colonização de Florianópolis, a tradição da pesca da tainha e o início da prática do surfe, na década de 1970.
Nos 52 minutos de duração, A Tainha e a Onda traz vários entrevistados para contribuir com o debate. Para assistir, clique aqui.
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