"Drag foi feita para ser vista de longe"
- Carolina Maingué e Matheus Pereira
- 19 de jul. de 2016
- 4 min de leitura
Como é ser uma drag queen em Floripa? Um bom papo com Morgana Molochi
Richard, 21 anos. "Richard não, Morgana!" logo me antecipa a drag queen, que se monta mais uma vez em sua casa, procedimento que faz duas vezes por semana e que geralmente leva duas horas. "Já foram quatro horas, mas em média a montagem vai de uma hora - quando eu e as minhas amigas estamos com pressa ou temos horário estabelecido - até três horas". No seu quarto, um espelho grande, um espelho pequeno que é bem mais utilizado e uma mesa repleta de maquiagens. Morgana tira de uma mala seu estojo de maquiagens, que fazia companhia à peruca, ao vestido e ao corselet da drag. "Aqui é onde uma drag vive. Sem essa mala eu não seria nada".

"Em média, eu me monto duas vezes por semana, para trabalhar na noite de Floripa. Mas, por exemplo, já teve vezes que foram quatro, e nessa semana serão mais de duas pois estou aqui me montando para você (era uma quarta-feira). Aliás, pena não ter nenhum fervo hoje, acho que depois vou ali arrasar no mercado", dizia a bem humorada Morgana Molochi, que se monta há mais de um ano.
"Todo mundo me chama de Morgana, até quando vou desmontada. Quando eu fazia Relações Internacionais na UFSC, no trabalho... sempre sou a Morgana".
Nascida no Rio Grande do Sul, mas moradora de Florianópolis há "alguns anos", Morgana mora no Itacorubi e se monta em casa, com a ajuda de amigas ou da irmã mais nova, e vai de ônibus para as festas em que participa. "A gente sempre anda com a galera toda junta, e é bem de boa. A gente vai sempre fazendo um fervo no ônibus, cantando músicas, tirando várias fotos com as pessoas. Às vezes, elas até nos adicionam no Facebook, e já teve até caso de gente que ia para casa mas acabou indo para a festa com a gente", contava.
"Pena que, em Florianópolis, a drag é muito vista como atração de balada. Vai lá, faz um agito e vai embora. A gente até aprende a mexer no CDJ (equipamento de DJ) para poder fazer um setlist e ganhar um trocadinho melhor nisso, mas o verdadeiro intuito da drag, que é praticar as intervenções, se vê muito pouco por aqui". Quando perguntada se na sua terra natal isso era diferente, ela atentou: "Sim, em Porto Alegre a gente tem muito mais oportunidades. Mas lá é muito mais perigoso que Floripa, até pela força dos movimentos skinheads e tal... conheço muita gente que já apanhou por lá. Tanto que, toda vez que vou, eu procuro ficar pouco tempo e sempre me locomovo de carro".

Enquanto terminava sua pesada maquiagem da sobrancelha e pegava o estojo para começar a demarcação facial, Morgana se sentia ainda mais à vontade. Questionei sobre a presença dos seus pais no quarto ao lado, e como eles lidam com a montagem. "Assim, a minha família é super de boa. Até porque desde criança eu sempre fui uma pessoa bem 'viada', aí eles aceitaram e nunca me reprimiram. Tem vezes que a gente vem em umas dez drags se montar aqui, e eles sempre apoiam a gente".
"Mas, no fundo, eu não sei porque faço isso. 'Tô' aqui me pintando que nem um palhaço, pra sair na rua e fazer agito. Tem que gostar muito mesmo, como eu gosto e todas nós gostamos. Na verdade, achamos maravilhoso" exalta Morgana, quando já chegávamos a quase uma hora e meia de conversa e ensaio. Era a hora de colocar os cílios postiços e a drag queen fazia piada com as fotos da produção:
"Drag foi feita para ver de longe. Eu não vou dormir e acordar do seu lado, a maquiagem é intensa desse jeito para que quem esteja na esquina seguinte possa ver, e não quem 'tá' do meu lado, então é claro que assim de perto vai ter várias imperfeições". Uma vez colocada a peruca, Morgana bradava ao espelho: "Eu tô maravilhosa!", como realmente estava.
"Ah, eu gasto muito com produtos de maquiagem, sim. Alguns são mais baratos, como as tintas utilizadas pelos palhaços, outros mais caros, mas no geral a gente acaba gastando muito. Até por isso buscamos trabalhar remuneradamente nas festas da cidade", finalizava Morgana. Depois de se vestir com a ajuda da irmã, chegou a hora de fazer as fotos pronta. Reclamou: "Você bateu cem fotos minhas feia e agora montada só umas dez?".
Eu ri, fotografei, agradeci o bom papo e retornei para casa naquela noite de quarta-feira. Morgana me levou até o térreo e me garantiu: "Todo mundo aqui já me conhece. O porteiro, o zelador, o síndico... Todos já conviveram comigo montada". Ao chegarmos no andar de baixo, notamos que estava caindo um temporal. "É, talvez meu close no mercado não fique para hoje". Me despedi de Morgana e fui para casa, satisfeito pelos bons papos da noite.
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