Espetáculo "Somos" e o novo circo em Florianópolis
- Oriana Hoeschl
- 19 de jul. de 2016
- 5 min de leitura

Espetáculo "Somos", finalização do Curso de Formação em Circo, ministrado em Florianópolis pelo Circocan.
A tradição do circo como hoje o conhecemos remonta a meados de 1700, na inglaterra. Em uma época de pós-guerra, soldados que retornaram para seus lares aproveitaram suas habilidades equestres para fazer apresentações ao público. O sucesso foi enorme e as arenas circulares passaram a viajaram por toda a Europa, se estabelecendo por um período longo, de até dois anos, e atraindo curiosos em cada cidade em que passavam. Aos poucos, trapezistas, contorcionistas e malabaristas foram incrementando o espetáculo e este foi tomando a forma que conhecemos.
Ao final do século o circo chegou à América, e ao norte, nos Estados Unidos, se tornou itinerante e incorporou em sua essência outras atrações, como exibições de animais. Em 1825, o circo abandonou estruturas de madeira e, pela primeira vez, realizou seus espetáculos em uma tenda. Mais tarde naquele ano, o primeiro elefante passou a fazer parte da trupe itinerante do circo Bailey.
Duas décadas depois, a arte circense já havia se espalhado pelo mundo. O motivo de seu sucesso era a facilidade em levar o espetáculo para países diferentes. Por se uma arte visual, não eram necessárias muitas palavras para encantar o público. O riso, uma linguagem universal, era facilmente entendido em qualquer língua. E assim, em 1874, o circo chegou ao Brasil.

Espetáculo "Somos", finalização do Curso de Formação em Circo, ministrado em Florianópolis pelo Circocan.
De lá para cá, animais passaram a ser cada vez mais raros, e sua presença ao redor do mundo tornou o circo uma arte em constante transformação. Hoje, a maior influência no cenário circense é o Cirque du Soleil, uma companhia canadense que explora em suas acrobacias a tendência contemporânea do circo.
Mas não apenas os espetáculos mudaram. Com o passar dos anos, houve uma mudança no aprendizado. Não mais passados nas famílias, de geração para geração, agora o ensino do circo ocorre em escolas.
Em Florianópolis, o Circocan, uma iniciativa do artista Pedro Mello e Cruz, se estabeleceu no complexo do Jurerê sports center em 2005. Além de uma escola livre, o Circocan é também uma companhia artística e, fugindo da tradicional tenda, leva seus espetáculos a teatros de todo o país. A companhia surgiu desde princípio com uma proposta de internacionalização, e de desenvolver um tipo de circo mais contemporâneo, voltado principalmente ao treinamento físico.

Bastidores do espetáculo "Somos", finalização do Curso de Formação em Circo.
Em 2015, uma iniciativa de Pedro, juntamente com Adilso Machado, ex-bailarino do grupo Cena 11, surgiu a ideia de inscrever para edital da Funarte, instituição de apoio e fomento à arte vinculada ao Ministério da Cultura, um curso de formação em circo. A bsae do curso seria uma formação física e artística, com intercâmbio de ensino com outros países. A formação duraria 6 meses e seria completamente custeada pelo programa. “A importância desde o começo, quando pensei em escrever esse projeto, foi pensar na formação como um processo viral. O que for trabalhado aqui, eles levem para a vida, para seus lugares de trabalho”, conta Adilso.
Após a aprovação pelo Prêmio Carequinha e divulgação da seleção, mais de 100 pessoas, de 10 estados brasileiros e 5 países diferentes, se inscreveram. Trinta deles puderam comparecer a audição presencial, realizada no ginásio do Circocan em Florianópolis. Outros, impossibilitados de comparecer pela distância ou agenda, enviaram vídeos se apresentando e mostrando suas habilidades e talentos.
A seleção seguiu critérios físicos, técnicos e artísticos, sem esquecer ainda o perfil dos bolsistas visando a produção do espetáculo de encerramento. Ao final, foram 16 selecionados, todos brasileiros. Entre esses selecionados, Julia Weiis, conta que a experiência foi intensa e fundamental para sua formação artística. “Eu sempre dancei a minha vida inteira. Descobrir o circo nesse curso foi uma superação, tanto física quanto psicológica, no sentido de conhecer meus limites e ir sempre além.”

Bastidores do espetáculo "Somos", finalização do Curso de Formação em Circo.
O curso começou em fevereito de 2016 e, a cada semana, eram mais de 20 horas de treinamento distribuidos em acrobacias, trapézio, cama elástica e diversas outras modalidades da arte circense. Apesar da direção ser conduzida por Adilson Machado, todos os alunos tiveram vóz ativa no processo. “Partimos da ideia que não teria isso de ‘eu sou professor e agora vocês vão aprender’, um negócio mais antigo”, contou o diretor. “Botamos que o poder seria horizontal, que discutiríamos mais. Isso era o foco principal. Esse era o conceito, inclusive nas responsabilidades. Queremos que esses 16 cresçam e compartilhem a experiência que tiveram aqui. São poucos alunos, mas se cada um desses 16 atingir mais 16 pessoas, imagina… E isso vai se multiplicando e se ampliando cada vez mais.”
“Aprendemos o que era ter uma vivência de grupo, uma responsabilidade horizontal. Tinhámos que ser ativos no processo do grupo, na evolução. Isso me marcou profundamente, além de toda a intensidade do treino físico, que fez com que meu corpo se modificasse e eu descobrisse que sou capaz de fazer coisas que nunca tinha imaginado antes”, diz Julia.

Palhaço contemporâneo do Espetáculo "Somos".
O resultado final desses meses de intenso treinamento foi a criação do espetáculo "Somos", apresentado em Junho no Teatro Pedro Ivo. A ideia de horizontalidade proposta durante o curso continuou a permear a criação artística do espetáculo, inclusive em seu nome. “Somos é uma palavra palíndroma, se você ler ela de trás para frente ou de frente para trás elas representa a mesma coisa”, conta Adilso. Para Pedro Mello e Cruz, a experiência foi diferente dos outros trabalhos já feitos pela companhia. “Criamos um espetáculo que focou na dinâmica do grupo, e cujo grande desafio foi ter todos os artistas no palco durante todo o show."
Com o desafio adiconal de acontecer em um palco de teatro, cada cena foi construida de maneira a constantemente quebrar com a sensação de exclusão da platéia. "Ao mesmo tempo, uma coisa que nos guiou na criação das cenas foi o conceito termoquímico da entropia. O sistema, quanto mais caótico, ganha potência nesse caos e se auto-organiza. Gosto dessa ideia de que o caótico dá força à cena. Loucura né?", brincou o diretor.

Plateia durante o espetáculo "Somos", que ocorreu no Teatro Pedro Ivo.
Para quem estava na plateia, o que se viu no palco era realmente fora do convencional. Para o aluno de Jornalismo, Rafael Moreira, 19, a experiência foi enriquecedora. "Quando estavam todos juntos, parecia uma meleca de gente. As expresões eram muito interessantes, muito verdadeiras."
Em quarenta minutos de acrobacias, saltos, risos e musicalidade, o espetáculo destacou-se pela força do grupo e da espontaneidade das ações em conjunto. Aplicado de uma maneira artística, o conceito físico de entropia, que determina o crescimento da energia de um sistema, trouxe acrobacias circenses intensas, criadas pelo coletivo, e que apesar da aparente desordem, retrataram a sintonia, conexão e maturidade artística do grupo.
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