Todo dia é dia de RAP
- Eduardo Frois
- 19 de jul. de 2016
- 6 min de leitura
Batalhas de rima acontecem de domingo a domingo na região da grande Florianópolis
Versar de improviso faz parte da literatura oral de várias culturas, especialmente em áreas rurais. Assim surgiu a tradição do samba de partido alto, samba de lenço, repente, embolada, calango, cururu… No meio urbano, onde a burocratização limita nossas relações, o freestyle (estilo livre para rimar) democratiza a palavra, na voz de quem se contrapõe à história oficial, àquela que foi escrita por apenas um lado.

Batalha da Costeira (03-07-16) - Foto: Nado
As batalhas são encontros entre os Mc’s, mestres de cerimônia, que integram um dos quatro elementos da cultura Hip-Hop. Os grafiteiros e Bboys são sempre bem vindos, mas quem tem que estar lá selecionando os beat’s pra batalha acontecer é o Dj. Aí o resto é com os rimadores, que duelam em batalhas de sangue e de conhecimento.
O modo de enfrentamento varia conforme a Batalha, sendo, geralmente, dois mc’s trocando farpas em rimas de raciocínio rápido por 40 segundos. O duelo também pode ser feito em duplas, envolvendo quatro versadores em rimas estilo “bate-volta”, de aproximadamente quatro versos. Neste caso a edição terá uma dupla de mc’s vencedores.
De acordo com a vontade do público, são 2 ou 3 rounds, cujo vencedor segue adiante. O chaveamento das batalhas é feito momentos antes, logo após as inscrições de todos os rimadores. Alguns dos eventos chegam a ter até premiações como livros, camisas, cd’s, comidas ou até ingressos para uma determinada festa. O campeão do dia leva pra casa também a folhinha que serviu de tabela.
Jovens, em sua maioria, os mc’s encontram no freestyle das batalhas o meio de expressarem suas ideias. “O rap funciona como uma válvula de escape e também como uma imponente arma de ataque contra os males que as necessidades da vida nas ruas nos traz”, diz Willian da Gama, o mc Will, da Batalha da 196.
O rimador encontra nesses eventos: público, batida e motivação para poder expor sua poesia improvisada. Will continua: “o rap também dá autoestima para as pessoas dentro e envolto do movimento, o movimento que movimenta cultura. Queremos fomentar e introduzir esse movimento cultural que é o rap dentro do nosso município, através das batalhas”.

Batalha da Alfândega (02-06-16) - Foto: Gabriel Vanini
- O que que vocês querem ver? pergunta o apresentador da Batalha da Costeira.
- SAN-GUE!!!
A batalha de sangue é violenta apenas nas palavras, de resto, é um momento de risadas e descontração. O objetivo é tirar sarro do oponente, na frente dos outros mc’s, e de toda a plateia que os assiste. Nela, vale falar de quase tudo. Falar da aparência, das roupas, do passado, da postura no rap... “Só não vale falar merda, né”, diz Einstein MC, que já rimava sozinho há algum tempo, mas só começou batalhar agora.
Se vangloriar durante o improviso é uma das alternativas mais comuns para esse tipo de duelo. Cabe nas disputas de sangue, também, o desabafo contra o sistema, expondo os problemas da sociedade, ao mesmo tempo em que o rimador tenta diminuir o adversário. Consenso mesmo na rua é de que o mestre de cerimônia precisa ter coerência ao proferir suas palavras perante aos espectadores.
“As batalhas falavam merda / Eu fiz a do conhecimento”, canta Mc Marechal na música Griot.
Para quem não gosta de achincalhar o irmão na frente dos outros é que também rolam as batalhas de conhecimento. Projeto iniciado lá no Rio de Janeiro, esse formato de batalha pede sugestões de temas para o público. Os mc’s tem a liberdade de criarem os versos inspirados no tema da batalha, que vai desde a política, o próprio movimento hip-hop, as opressões, ou até assuntos espirituais.
A batalha funciona semelhante a um debate, com cada improvisador apresentando sua visão a respeito do tema. O ataque ao adversário fica em segundo plano. A cada duelo é escolhido um tema novo. Muitas das batalhas estão fazendo jornada dupla, com sessão de sangue e de conhecimento. No final, é claro, a galera só vai embora após escutar o freestyle do campeão.
As nove batalhas:

A exceção é a Batalha das Minas, realizada no antigo Terminal de Ônibus, no centro, onde só rola edição de conhecimento. O microfone fica aberto para outras apresentações nos intervalos, mas a batalha mesmo é das mulheres. É um espaço que as minas vêm galgando num movimento predominantemente masculino. A batalha rola desde o início desse ano, todo sábado, 18h30.
Quando chove forte, como na última quinta, dia 14 de julho, também é realizada no terminal velho a Batalha da Alfândega, até porque o Largo da Alfândega é um local aberto. É a mais antiga batalha de rimas da região, e surgiu das resenhas da molecada que estudava no centro e curtia um rap depois das aulas.
E lá se vão nove anos. Desde então a batalha vem servindo de palco pra vários mc’s de Florianópolis. Recentemente, foi produzido um documentário a respeito da batalha e das adversidades que o pessoal do movimento enfrenta por produzir um evento de rap no centro da cidade. Enquanto isso, na Alfândega, continua rolando conhecimento e sangue, toda quinta-feira, a partir das 19h.
Costumava acontecer nas tardes de sábado, na beira-mar de São José, Batalha do Continente, ao lado da pista de skate. Confira um vídeo mais antigo. Em 22 de setembro de 2012 foi mobilizada uma ação policial para interromper o evento, conduzindo três pessoas para a delegacia por desacato à autoridade. Segundo o Centro de Mídia Independente – Floripa, que filmou o ocorrido, a ação mobilizou seis viaturas e uma dezena de policiais, alguns armados com escopetas e fuzil. A alegação dos policiais foi de que a Batalha não poderia ocorrer em uma pista de uso exclusivo para skatistas e ciclistas. E que os organizadores não tinham autorização da prefeitura para realizarem o evento. Os detidos foram liberados cerca de uma hora depois. Apesar do descontentamento de alguns, a Batalha prosseguiu sendo realizada.
Mas a Batalha do Continente mudou. Tanto nos organizadores, quanto em dia e horário. Só não mudou o local. Há cerca de um ano que a batalha em São José passou a rolar nas noites de sexta-feira, por volta das 19h. No início do mês de junho, dia 4, um sábado, foi a inauguração da pista da Beira-Mar de São José, onde rolou campeonato de skate amador, com o apoio da prefeitura da cidade. Neste evento, além de freestyle, também teve grafitte e outras apresentações musicais.
A Batalha da 196, ou Batalha de Biguas, é a mais recente da região, realizada pela primeira vez na noite de 26 de junho, um domingo. O duelo de rimas acontece na recém-inaugurada praça de esportes João Marcondes de Mattos, no bairro Jardim Saveiro, em Biguaçú. “Hoje o Saveiro se encontra necessitado de um centro comunitário pois são altos os indicies de criminalidade e envolvimento de jovens com drogas, com as faltas de opção e informação, acreditamos sim que isso seja um agravante, precisamos brecar isso…”, lembra mc Will. A batalha foi pra sua quarta edição no último final de semana, dia 17 de julho. E domingo que vem tem mais, a partir das 18h30.
Outra que começou neste ano, foi a Batalha da Costeira, ao lado da pista de skate do bairro, localizada entre a avenida geral da comunidade e a Via Expressa Sul. A pista foi reformada para receber, em junho, a segunda etapa do campeonato mundial Vans Pro Skate Park. Essa união entre esporte e música urbana também se faz presente no bairro da Costeira, região sul da ilha de Santa Catarina. “Não é a toa que tem tanto skatista que agora tá virando mc e quer cantar rap”, diz Maria Rosa, ao levar seu filho para brincar na praça e acompanhar o som. É mais uma batalha de rimas que acontece aos domingos, às 17h. De conhecimento, de sangue e aberta para outras intervenções. Confira o vídeo da final de sangue do dia 10 de julho.
Domingo também é dia da Batalha do Norte, que acontece há pelo menos dois anos no Trapiche de Canasvieiras. Região de peso no cenário do rap na ilha, o Norte recebe, a partir das 18h30, mc’s de diversos locais para batalharem sangue e conhecimento. Já a Batalha da Palhoça, que também tem uma caminhada longa, começou em 2009 e acontece toda quarta-feira, às 19h30, na Praça Sete de Setembro, região central da cidade. A Batalha da CL é realizada na praça do Loteamento Lisboa, no bairro Forquilhas, em São José. O duelo de rimas, de sangue e de conhecimento, ocorre toda segunda-feira, à noite, a partir das 19h30. E a Batalha da Central rola no sul da Ilha, toda terça-feira, também às 19h30, na praça da Av. Pequeno Príncipe, região do Campeche Central. Assista um vídeo gravado na batalha, no mês de abril.
Além das batalhas citadas na reportagem, chegaram a ocorrer na região a Batalha da Trinda (na pista de skate do bairro da Trindade, em Florianópolis), batalhas no IFSC (São José e Centro), em eventos na UFSC, e em ambientes pagos, como no Floripa Skate Park, ou casas de show com programação de rap como o Varanda’s Floripa e o Mustafá Louge Premium. Sem contar as batalhas que acontecem em várias cidades catarinenses como Joinville, Blumenau, Jaraguá do Sul, Piçarras, Criciúma, entre outras.

Batalha da Alfândega (foto antiga), realizada na frente do TICEN. Acervo: Cubano
Com respeito e união entre os amantes da cultura, as batalhas canalizam para o rap a violência a qual a população mais pobre está exposta. O conhecimento segue adiante, como a banca Zulu Nation pregava lá atrás, em New York. Porque a cada dia, literalmente, o verdadeiro vencedor é o movimento hip-hop da região.
Até que o sangue passe a ser mera metáfora das batalhas.
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